terça-feira, 17 de novembro de 2009

Per Aspera Ad Astra: A história do mais querido do mundo (Capítulo V)

"Per aspera ad Astra"

Por Filipe Martins Gonçalves

A infância do Corinthians foi pontualmente ligada às figuras que fizeram acontecer o Clube do Povo. Não existiram mecenas, apenas seus sócios.
O Corinthians foi feito pedra por pedra. Desse começo, como já dissemos, não sobraram registros ou documentos históricos, a não ser objetos valiosos que podem ser admirados no Memorial do Corinthians Paulista – exercício Corinthianista que todos nós temos de fazer pelo menos uma vez na vida.

O Corinthians era sua incipiente multidão, que o seguia onde fosse.
Era o Campo do Lenheiro, os uniformes que se desgastavam a cada lavada, a primeira bola.
E a sala alugada, que continha a mesa de ping-pong (cuja gaveta servia de urna nas incessantes votações para tudo o que se fosse fazer), com algumas cadeiras e o armário para os troféus Varzeanos, que guardou também o primeiro troféu oficial do Clube.
Clube que não era “apenas” de futebol. O primeiro troféu foi conquistado em uma corrida de 10 quilômetros, no antigo Parque Antártica, no dia 29 de dezembro de 1912. Praticamente uma São Silvestre.
Batista Boni, João Collina e André Lepre foram os heróis da disputa do “troféu chamado Unione Viaggiatori Italiani. O Lepre, o Boni e o Collina também jogavam futebol , mas no dia  da corrida eles calçaram umas botinas elegantes como era moda e saíram com tudo. Quando a gente viu o Lepre na frente do resto da turma, seguido pelo Collina e pelo Boni, até esfregou os olhos para conferir se não era miragem. Não era. Pegamos a Taça e carregamos os três heróis nos ombros e, naquele dia – o Corinthians ainda nem estava na Liga Paulista disputando – , fizemos a maior festa no Bom Retiro e tomamos bastante cerveja e o Povo ficou feliz“. Este depoimento, do próprio Antonio Pereira, está no livro de Diaféria¹.
Pela primeira vez bordava-se o C e o P sobrepostos em uma camisa branca com gola e punhos pretos. O calção de saco de farinha havia sido recém-tingido de preto pela esposa² de João da Silva, da carteirinha número 9.
Antonio Pereira tinha a carteirinha número 2, mas já nesta época trocava com João. Sinal de reconhecimento por quem mais trabalhava pelo Clube. Pereira era ainda um rapaz, cuja carreira de pintor ainda engrenava no escritório de Ramos de Azevedo. Tinha seus vinte anos apenas e, dos Cinco Primeiros, aquele que inaugurou a idéia de Corinthianismo.
E foi tirando tocos e raízes de bambu no Campo do Lenheiro que fortaleceram o Clube. Gastavam as tardes livres, os fins de semana antes das partidas. Quando ganhavam um extra, os primeiros Corinthianos sabiam para onde mandar o dinheiro.
Foi assim com a inscrição no torneio de acesso da Liga; não havia 5 mil Réis em caixa. Um sócio chamado Caparelli surge, então, com o dinheiro emprestado do cunhado, muito feliz por ajudar seu Clube de Coração.
Desde o começo, para o Corinthians existir, foi preciso fazer das tripas coração.
A primeira bola foi adquirida por rateio, mas a segunda bola, dos outros quadros que o Corinthians tinha, foi presente, no começo de 1911, de um moleque de 16 anos, Manuel Nunes. Neco foi levado ao Clube, como se já não fizesse parte, por seu irmão mais velho, César Nunes, que figurou no Timão que alçou o Corinthians ao Futebol “oficial”.
Fui buscar o Casimiro do Amaral no Flor do Bom Retiro, onde ele jogava. Era português, como eu, um craque, excelente como pessoa e magnífico como jogador. Tinha um fôlego inesgotável e um coração bondoso. O tipo de center-half perfeito, o center-half naquela época tinha uma missão nobre, quase sempre era o líder do time, o capitão. O Casimiro do Amaral jogava bem em todas as posições, até no gol. Fui no Flor do Bom Retiro, falei com o Casimiro, ele era meu amigo. Propus que ele viesse para o Corinthians, em troca eu lhe ensinaria meu ofício de pintor. Topou. Aprendeu a pintar casas e o Corinthians ganhou um reforço. O Corinthians foi feito assim, pedra por pedra“¹.
Se este não for o mais explicativo depoimento do que estava sendo construído por aquele Povo do Bom Retiro, é ao menos um dos mais emblemáticos.
E ele começa, na verdade, assim; “Mas não era um clube só de Futebol. Mesmo quem não jogava bola ia à sede bater um ping-pong, se distrair com o tabuleiro de dama, dominó. A primeira taça de verdade, taça grande, de dar na vista, não tinha nada a ver com Futebol“¹.
Mas para a História do Futebol não há um Clube que seja crucial como é o Corinthians.
O Corinthians nasceu e cresceu na Várzea, como é sabido. As séries invictas, as excursões pelo interior, a multidão que o acompanhava, fizeram do Corinthians o Galo da Várzea. Isso já dizíamos nos capítulos anteriores.
Passemos, porém, ao período em que o Futebol amador “oficial” já vivia profundamente seu impasse.
Alguns clubes, mesmo de elite, não dispunham da verba que estava sendo destinada para a promoção do futebol. Já se podia observar que o tal amadorismo era passado. Jogadores recebiam o bicho e o clube que tivesse mais dinheiro em caixa aliciava os melhores jogadores.
Há a cisão do futebol paulista.
Que teve seu estopim no episódio em que o Paulistano, que cobrava 200 mil réis por jogo pelo campo do Velódromo, ficou esperando o time do Americano, que por sua vez seguiu a determinação da Liga Paulista e foi para o Pq. Antárctica, campo que custava 200 mil réis por mês.
Foi a gota d´água. A turma dita elitista, do Paulistano, do Mackenzie, fundou a Associação Paulista de Esportes Athleticos.
E à Liga coube a pecha de popular. Foi quando o Americano quis se retirar da Liga.
É nesse clima de salve-se quem puder, e atrás dessa vaga sobrando, que surge o Corinthians Paulista, daqueles bravos guerreiros que não recebiam mais que o reconhecimento daquela pequena massa que se formava em torno do Timão. Pelo contrário; para erguer o Corinthians se entregaram de corpo, alma, e por ele deram a própria vida.
É com a cara e a coragem, e também com os direitos de um time que jogava muita bola e que já tinha a credencial de Campeão Varzeano, que o Corinthians pleiteia essa vaga.
Mas o Americano que a detinha acaba dando o dito pelo não dito e volta atrás. Mais para não entregar a vaga de mão beijada a um Clube que carregava no peito a Várzea, além do fino trato com a Deusa Bola, que qualquer outra coisa.
O Corinthians, no entanto, não deixou barato, reivindicou sua vaga.
Então lhe prepararam uma arapuca. Teria de ganhar dois jogos preliminares, de acesso. Seria agora ou nunca mais.
O Corinthians já havia provado seu poderio no campo do Lenheiro, nas várzeas Paulistas afora. Poderiam vir os adversários do Pq. Antarctica ou do Velódromo, tanto fazia.
O Galo de Briga da Várzea era tratado como bicão, e os Guerreiros queriam mostrar que o Coringão faz a diferença.
A Liga poderia ter aceitado há muito tempo, e por merecimento, o Corinthians Paulista, campeão do futebol “não-oficial”, da Várzea.
Mas foi apenas em sua crise financeira que cogitou ceder a vaga que sobrou.
O Corinthians, que já levava consigo sua multidão, aceitou o desafio, naturalmente.
Em seu caminho foi posto um time chamado Minas Gerais Futebol Clube, do Brás, clube fundado no escritório da casa do Sr. Plínio Fonseca, presidente do clube e também capitão do time.
Era um bom time, bem armado, e era também a esperança daqueles que se debruçavam na cerca do Velódromo e chupavam laranja naquela tarde.
A vontade deles era a de que este tal de Minas Gerais acabasse com as pretensões dessa gente atrevida, “arraia-miúda”, esses operários, esse Povo.
Que passou a ocupar os mesmos espaços nas arquibancadas, também.
Foi a primeira das invasões Corinthianas.
Ali nasceu de vez a Fiel Torcida, e também o seu oposto: a anticorintianada.
O Corinthians entrava em campo de uniforme novinho em folha, adquiridos com esforço para a ocasião, para disputar a partida mais decisiva de sua juventude.
Bordou-se as iniciais nas novas camisas brancas, “C” e “P” sobrepostos. Uma dura batalha, e os onze guerreiros jogaram montados no cavalo branco da raça.
E lutaram tanto que o adversário não suportou. Um gol apenas fez o Velódromo estremecer pela primeira vez, de muitas vezes que viriam.
Mas faltava ainda um segundo adversário: o São Paulo Sport Club, do Bixiga.
Mas é a sina de clube que porta tal nome, e neste o Coringão enfiou quatro gols, liquidando o assunto, sem nenhuma contestação.
Quem piava maus agouros, agora tinha de aceitar.
O Corinthians ingressava na Liga por méritos próprios, e ganhou até um Diploma que “concede ao Sport Club Corinthians Paulista o direito de integrar a Divisão Principal da Liga Paulista de Futebol”.
 O futebol passou a ser de novo, e por direito, do Povo.
Que encheu o céu de rojões e fez uma Festa de arromba…

Os Guerreiros da Proeza Histórica:
Casimiro do Amaral, Fúlvio Benti e Casemiro Gonzalez; Francisco Police, Alfredo de Assis e Francisco Lepre; César Nunes, Antônio Peres, Luiz Fabi, Joaquim Rodrigues, Carmo Campanella.

¹”Coração Corinthiano”, Lourenço Diaféria, Capítulo XIII, págs 62-63.

² A esposa de João da Silva figurou na primeira Diretoria constituída, ao lado da irmã do Alfredo (e disso tudo sabemos pois quem disse isso ao Toninho de Almeida foi justamente Antonio Pereira), sem cargo específico, e nesses primeiros anos revezaram-se como bordadeiras e lavadeiras dos uniformes do Clube do Povo. Os nomes delas ainda são desconhecidos, ao menos por este que vos escreve.

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