quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Per Aspera Ad Astra: A história do mais querido do mundo (Capítulo VI)

Por Filipe Martins Gonçalves

Naquele dia em que o Corinthians recebeu seu Diploma, como um garoto esforçado que cumprira todas as etapas para “colar grau” e fazer parte do Futebol “oficial”, o Povo desceu a Avenida Ipiranga fazendo festa para continuar a festa no Bom Retiro noite adentro.

Foi das primeiras vezes que a cidade parou por causa do Corinthians.

A presença de clubes populares, e tudo o que foi mencionado no capítulo anterior, fez do campeonato de 1913 algo inédito.

O Futebol era esporte de elite e a presença de clubes como o Corinthians fazia os grã-finos e a imprensa da época torcerem o nariz.

O Americano, que havia ameaçado pular fora da disputa por conta da cisão, abrindo a vaga que fora pleiteada pelo próprio Corinthians, o fazia também por torcer o nariz para esses clubes populares.

A estranha presença de um clube recém fundado, o Santos, sem que tivesse passado pelo processo de disputas que o próprio Corinthians se vira obrigado a passar, também denota os métodos de escolha dos times na época.

Isso na Liga Paulista, pois a recém fundada Associação mantinha “imaculada” (pelo menos até então) a casta dos clubes de elite, em uma disputa apartada.

Naquele campeonato jogaram Corinthians, Ypiranga, Internacional, Germânia, Americano e Santos.

Havia muita expectativa por parte dos Corinthianos. Mas o que logo se descobriu é que o Futebol “oficial” não era o Futebol Varzeano.

Por mais amadorismo que se prezasse, apesar dos bichos pagos “em dia”, a coisa ali era mais séria. E no primeiro turno, de fato, a euforia logo foi contida. Os times mais experientes sapecaram goleadas nos novatos, mas ao contrário do Santos, o Corinthians não abandonou a disputa.

Ao findar o primeiro turno, as mudanças no Timão começaram a acontecer.

Foram promovidos do segundo para o primeiro quadro os dois primeiros ídolos do Clube.

Manuel Nunes e Amílcar Barbuy começaram uma nova série invicta do Corinthians Paulista, agora no Futebol “oficial”.

Depois que eles entraram no time, o Corinthians não perdeu mais.

Estes jovens vinham da Associação Atlética Botafogo. Já mencionamos anteriormente, mas o Botafogo da Várzea paulistana reunia os jogadores mais aguerridos, valentes e – trocando em miúdos – brigões que a Várzea poderia ver surgir. Eram os donos da Várzea do Carmo, terreno onde outrora o Tamanduateí se espalhava, quando era época de cheia.

O delegado Franklin de Toledo Piza, cujos filhos viriam a ser Corinthianos famosos, o que alimenta a lenda a seguir, foi quem ‘ajudou’ o pessoal do Botafogo a integrar os quadros do Corinthians. A fim de acabar com aquele ‘furdunço’, se é que poderíamos ser mais explícitos.

Mas, claro, o fôlego daquela molecada não se dobrava tão facilmente.

Todos eles jogariam em dobro; pelo Corinthians e pelo Botafogo, que só veio a fechar as portas em 1918, quando estes jogadores – todos já Corinthianos – alcançaram fama o suficiente para integrarem as seleções Paulista e Brasileira.

Outro fato curioso, que alimentava a fama de desordeiro do Botafogo e a estendeu ao próprio Corinthians, é que ali naquela Várzea era onde tradicionalmente as lavadeiras lavavam e estendiam lençóis e roupas, de dia, mas sobretudo, lugar ocupado pelo Povo, à noite.

Fazia-se saraus, serenatas e, no final das ladeiras do Centro, a boemia rolava solta.

Há relatos de mendicância, prostituição e bandidagem nas noites daquele espaço tão antigo quanto a própria Vila de Piratininga, que se tornou essa cidade-monstro, metrópole de todos os Povos.

Enfim, tanto o Botafogo quanto o Corinthians representavam justamente aquela gente, maioria na sociedade, muitas vezes desvalidas e que a elite não queria ver junto de si.

Isso explica todas as restrições impostas e os apelidos maldosos empregados ao Corinthians, inclusive nos jornais da época, descaradamente preconceituosos e elitistas.

Claro que não apenas o pessoal do Botafogo integrou o Corinthians, mas também de outros clubes da Várzea. O Ruggerone (de onde sairia posteriormente vários jogadores para integrar o Palestra Italia), o Domitila, O Aliança (da Várzea do Glicério) entre outros; gente que fora convencida pelo trabalho de formiga dos operários que fundaram o Clube do Povo, dia após dia, após o expediente.

Importantíssimo, mesmo, é frisar que os jogadores da Várzea costumavam jogar por um time de manhã e por outro à tarde, sem qualquer problema, sem qualquer implicância de ninguém.

Foi o Corinthians, portanto, ao alcançar o Futebol “oficial”, que restringiu a atuação desses jogadores. E em um movimento natural, criou o amor à camisa. Mas isto ficará para o próximo capítulo, posto que temos como provar com fatos tudo isto que estamos a dizer.

Feita esta digressão toda, explicativa porém não completa – e ainda voltaremos a isso tudo – devemos dizer que o campeonato de 1913 terminou para o Corinthians em um empate em 1 a 1 contra o então campeão, o Americano.

O outro campeonato, da Associação Paulista, em uma disputa entre três clubes, o Paulistano sairia campeão.

Mas o brio dos Corinthianos estava recomposto.

Amílcar e Neco principiavam a fama que faria deles os grandes jogadores das décadas de dez e vinte, nacional e internacionalmente dizendo. O Corinthians soube usar a lição imposta neste ano para, no ano seguinte, voltar muito mais forte, muito mais “em forma” para essa guerra do Futebol “oficial”, pois acostumado à peleja o Coringão já estava, e muito.

Para 1914, ambos os campeonatos sofreram remodelações. A Associação recrutava o Ypiranga, um tal Scottish Wanderers e, além dos três que disputaram o campeonato de 1913, entrou o São Bento (que não é o de Sorocaba), que no fim foi o campeão em cima do Paulistano.

A Liga, por sua vez, aceitava o Minas Gerais (aquele com quem o Coringão disputou a vaga), o Hidecroft (de Jundiaí), o Campos Elíseos (da Várzea) e o Lusitano, além do Internacional e do Germânia – que abandonou esse campeonato.

O Corinthians sagrou-se campeão invicto pela primeira vez em sua História, e Neco foi o artilheiro, numa campanha impecável.

Com isso tudo e com a festa que o Povo fazia pela cidade, quem antes torcia o nariz para o fato de o Corinthians estar alcançando isso tudo pôs as barbas de molho.

E começou a imaginar o que poderia fazer para conter aquilo, visto que os próprios clubes de elite principiavam a perder o posto na nova Associação que criaram – e que tentaram “inchar” para proporcionar maior valor à disputa.

O Corinthians, como Campeão, seria sondado para participar da Associação, para onde já haviam ido clubes da Liga, a exemplo do próprio Americano, e do Ypiranga, que foram “engolidos”.

E a história continua…

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