terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Per Aspera Ad Astra: A história do mais querido do mundo (Capítulo VII)

 “Per Aspera Ad Astra”
Por Filipe Martins Gonçalves

No Capítulo passado, ficou a aresta de mostrarmos como foi que o Corinthians mudou os paradigmas do que se entendia por time de Futebol. Retomo, pois as palavras empregadas ali:

Importantíssimo, mesmo, é frisar que os jogadores da Várzea costumavam jogar por um time de manhã e por outro à tarde, sem qualquer problema, sem qualquer implicância de ninguém.
Foi o Corinthians, portanto, ao alcançar o Futebol “oficial”, que restringiu a atuação desses jogadores. E em um movimento natural, criou o amor à camisa. Mas isto ficará para o próximo capítulo, posto que temos como provar com fatos tudo isto que estamos a dizer“.

Irão dizer que nos outros clubes da época também jogava gente com forte ligação a determinada camisa, mas não é a esse nível que chegamos aqui. É inegável a dedicação, o respeito, o amor às camisas, tanto no futebol oficial quanto nas Várzeas.
No Corinthians é que foi diferente. Muito diferente. E é “só” a isto que dedicaremos este texto.
Os cinco primeiros anos de vida do Corinthians Paulista são cruciais para a formação da Mística Corinthiana, e o ano de 1915 é chave para se compreender o que é isso.
O Corinthians conquistou pela primeira vez uma taça em seu segundo Campeonato, de forma invicta, em 1914, como víamos. Mas na verdade, o Corinthians queria disputar com os “bem-nascidos” e ganhar. Quem se aventurar pelo que já foi dito nesta Saga verá que estes “bem-nascidos” estavam é fugindo dos clubes populares, menos por motivos classistas que pelo medo de tomarem surra em campo.
Corinthians e Paulistano, por exemplo, ajustavam seus times fazendo jogos-treino, sendo o primeiro de que se tem notícia em 1913. Eles sabiam do espaço que já deveria ter sido dado a esses clubes, principalmente ao seu maior representante e dissimulavam usando o poder político que tinham.
O Corinthians contava com a influência deste clube citado para a mais ousada empreitada. Na Associação, estavam os times contra os quais o Corinthians queria a disputa. E seus representantes sinalizaram uma vaga ao Corinthians, pois o Campeão Invicto da Liga agregaria valores não apenas ao Futebol, mas à bilheteria também.
No quadro associativo, houve muita discussão: alguns achavam que seria ousadia demais, outros sabiam que esse teria de ser o caminho. Então, o Corinthians decide aceitar e, antes de firmar com a Associação, se desvincula da Liga.
Achou que seu Diploma, prova do esforço valoroso, valente e real, pudesse ter feito a casta pôr as mãos na consciência.
Ocorre que a credencial do ótimo futebol não bastava. Ao contrário, os clubes da ‘elite’ não queriam ver seu poderio rivalizado com o desse… Povo.
Por isso impuseram as armadilhas típicas, e o Corinthians Paulista sempre tirou isso de letra. Como sempre, fazendo das tripas coração.
Pois o que de fato queria a Associação era relegar ao Corinthians uma série de amistosos ao longo do ano, “representando” a Associação. E não se poderia mais voltar atrás, o desligamento com a Liga era algo consumado, sacramentado.
Foi dos golpes mais duros na jovem vida daquele Clube modesto, com a cara e a coragem, que “não iria sobreviver mais que um inverno”…
Nesse contexto, vale a lembrança: o Corinthians é o único dos grandes clubes deste país a ter o Galo de Briga da Várzea, que nada tem a ver com outros galos por aí. Havia se despedido da Várzea, seu Berço Histórico, com um Diploma que concedeu o direito de participar do Futebol “oficial”. Mas teimavam em alijá-lo da disputa.
E o Corinthians, é claro, teimava ainda mais em lutar.
Assim, se o Corinthians existe e é esta gigantesca árvore cuja raiz é o Povo, é porque aquela jovem árvore resistiu ao temporal. Sua raiz não a deixou cair e nada é mais forte que a raiz do Corinthians!
Era para o Corinthians ter acabado e, para não acabar, teve de acontecer a criação do paradigma do Manto Sagrado. Nenhuma Camisa tem essa história.
O Corinthians não acabou, e isso aconteceu por causa do amor dos Guerreiros Corinthiano.
O Corinthians joga então os amistosos, e joga com seu Timão campeão invicto.
E mesmo com seus jogadores aceitando ser emprestados para alguns clubes¹ para que disputassem também o campeonato oficial, os Corinthianos deixaram claro que estavam apenas sendo emprestados.
Note, portanto, aquilo que foi dito no capítulo anterior. Neco, neste ano, disputou partidas pelo Botafogo, pelo Mackenzie e pelo Corinthians, um fôlego que hoje em dia não se vê. Talvez pelo Futebol atual seria muito mais desperdício de energia que antigamente, e pela ótica daquela época é inútil imaginar um jogador aplicado nos moldes de hoje. Mas isso é outro papo.
Retirado por motivos obscuros da disputa oficial, o Corinthians viu seus Guerreiros não o abandonarem, tanto os de dentro de campo quanto os de fora.
Durante essa série de amistosos com os clubes da Associação (inclusive a seleção da Associação), o Corinthians, jogando com seu time Campeão Invicto da Liga em 1914, venceu todas as disputas, exceto com o Paulistano, com o qual empatou em 1 a 1.
Depois que Neco e Amílcar chegaram ao primeiro quadro, no segundo turno do Campeonato de 1913, o Corinthians não perdeu mais.
Enquanto isso, a A.A.Palmeiras foi a campeã da Associação de forma invicta. Só perdeu de 3 a 1 para o Corinthians…
Os jogadores voltaram para o Corinthians para a disputa do ano seguinte², com duas pontuais exceções. Não é exagero dizer que tal fato não se daria em um clube comum nenhum.
Nasceu nesse ano, depois de tudo o que os Corinthianos passaram, um modo de proceder com o Manto que segue com o Corinthians como parte integrante da alma Corinthiana. Jogar pelo Corinthians passa a ser mais algo mais, muito mais, que jogar por Amor.
E isso tudo é muito importante frisar, para entendermos o que virá repetidamente e recorrentemente a acontecer, não só à História do Corinthians, mas à História do Futebol.
Na pré-temporada de 1916, aconteceu a disputa da Taça Beneficência Espanhola. Os organizadores planejaram uma peleja entre o Campeão da Liga, o Germânia (que em 1914 abandonara a disputa) e o Corinthians.
Resultado? 4 a 1 para o Coringão.
E quiseram que o Corinthians enfrentasse a A.A.Palmeiras, campeã da Liga. E o Corinthians faz 3 a 0.
O Corinthians era o Campeão dos Campeões, sem contestação.
Cabe reproduzir o texto de Thomaz Mazzoni³;

O Corinthians demonstrou, pois, que poderia ter sido Campeão de 1915 se tivesse disputado o campeonato. Mas a grande demonstração de valor do Corinthians não foi essa de vencer os adversários “apenas” e sim aquele amor de seus jogadores pela camisa e pelo nome do Clube. Aliás, era espírito dos clubes varzeanos da época. Os jogadores amavam seus clubes como às suas próprias Famílias! E o Corinthians foi o primeiro clube tipicamente varzeano a se tornar do futebol oficial (…) Pois bem, finda a temporada de 1915, o Corinthians desiludido com a APEA e não tendo certeza de disputar o campeonato de 1916, resolveu voltar para a Liga Paulista, onde foi outra vez campeão invicto

O Campeonato da Liga em 1916 era muito mais difícil.
Já estava presente o número de quatorze times, entre os quais o Ruggerone, o União da Lapa, times da Várzea velhos conhecidos do Corinthians Paulista, além do Americano e do Internacional, e do próprio Germânia.
E mais uma vez o Coringão, com seus Fiéis Guerreiros, levavam a Taça outra vez de forma invicta, inconteste.
É um Tri-Campeonato invicto, meteórico, fulminante, Revolucionário no Futebol.
Com apenas seis anos de vida, aquele que sempre esteve fadado a acabar, a tomar rasteiras e se levantar mais forte, tinha chegado à Glória de quebrar o tabu.
Os “oficiais” já deveriam ter entendido o que estava acontecendo: o futebol sofrera a maior de suas revoluções.
O Povo já o dominava por completo.
E a História continua…
 
¹ Amícar, Fúlvio, Aparício e Perez vão jogar no Ypiranga; Neco, Casimiro Gonzáles, César e Bianco, jogam no Mackenzie, e Police vai jogar no Scottish Wanderers
² Bianco, porém, foi para o Palestra; Perez ficou no Ypiranga.
³ No livro “Corinthians, suas histórias, suas glórias”, publicado pelo próprio Clube no final da década de 1960, herança de família deste que vos escreve.

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