quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

Per Aspera Ad Astra: A história do mais querido do mundo (Capítulo XI)

Per Aspera Ad Astra
Por Filipe Martins Gonçalves

Construir a Ponte Grande foi tarefa que rendeu aos Corinthianos trabalhosas jornadas extras, entre um expediente e outro, a carregar pedra, madeira, terra; pois o Corinthians nasceu e foi criado na dificuldade.

Alguns parecem observar nisto certo ’sofrimento’, mas todo Corinthiano que parou e pensou o Corinthianismo entenderá que isso é a parte constitutiva crucial da Mística Corinthiana. Superar as dificuldades.

A dificuldade de existir, a cada passo, a cada conquista, não foi à toa.

O Corinthians nasceu sem teto, sem chão, sem gramado, sem bola, sem uniforme, e está chegando ao Centenário; não à toa, sempre incomodou, com seu jeito Varzeano, aqueles que teimavam em achar que o Futebol deveria ser sempre aristocrático.

E o que fez o Corinthians? Devolveu o Futebol ao Povo.

Por essa “afronta”, a “aristocracia” o perseguiu em todos os passos. Da infância à fase adulta. Contamos aqui ainda esta juventude sinuosa, conflitante, incerta. O Corinthians é um vulcão em erupção – e sempre será.

E depois de tudo o que passou nos seis primeiros anos de vida, se firmava como Corinthians. Da árdua luta às estrelas, per aspera ad astra. A Ponte Grande!

O que havia não era a atmosfera de 1915, mas a superação dela. O salto gigantesco do Clube do Povo era latente, mesmo que com armadilhas daqueles que nunca suportaram ver o Corinthians acontecer pelas mãos de seu próprio Povo.

Aquela aura da assembléia do quinto aniversário, em que uma menção fora feita aos Primeiros Corinthianos e a todos os associados e jogadores que permaneciam no Corinthians, se transformara na vontade – e necessidade – de crescer, sempre fazendo das tripas coração.

O Corinthians saía de seu habitat Varzeano natural, o campo do Lenheiro, que ficava ali na Rua Prates, em frente ao Jardim da Luz, para construir seu novo lar, por conta própria, sem ajuda de ninguém – pelo contrário, como pudemos ver no contrato. E, com isso tudo, o Corinthians vinha de seu segundo (ou terceiro?…) Campeonato Invicto. A cidade literalmente acordava e adormecia Corinthians desde essa época.

Tudo isso se faz latente com o que segue, tanto a Ata da Assembléia de 27 de julho de 1916, lavrada por Heitor da Róz, quanto os relatos da inauguração pela imprensa. Todos aqui transcritos da obra de Diaféria¹.

“Ricardo de Oliveira diz duas palavras sobre tão importante aquisição: diz que acompanhou com sincero interesse todos os passos do presidente João Baptista Maurício e do esforçado consócio Alfredo Galliano, para conseguir que o clube de uma vez para sempre possuísse um campo digno de seu nome. A idéia demonstrou-se logo no princípio difícil de ser realizada; não bastava lutar somente com inimigos estranhos ao futebol; a Associação Athletica das Palmeiras e a Associação Paulista de Esportes Athleticos, possuindo ambas elementos políticos formidáveis, não podiam absolutamente consentir que um clube estranho viesse plantar as suas tendas a dois passos de suas casas. Apesar disso, o requerimento foi feito e o Corinthians solicitava o arrendamento de um terreno na rua Itaporanga vizinho ao campo da A.A. das Palmeiras, comprometendo-se, conforme o contrato, a fazer de um charco um campo de esportes. A questão foi protegida no princípio pelo nosso venerado Presidente Honorário e depois de uma luta árdua a nossa petição conseguia ser tomada em consideração pelos altos poderes municipais. O exmo. Snr. Coronel Oscar Porto, presidente da Liga Paulista de Futebol e sincero admirador do nosso Clube, procurado, prestou com a mais viva satisfação os seus serviços e os nossos dois consócios, animando-se cada vez mais, sacrificando interesses particulares, tempo e dinheiro, conseguiram depois de um ano de luta vencer a questão e enriquecer o patrimônio social com um terreno grandioso e magnificamente situado. Sinceramente admirado, Ricardo de Oliveira presta suas homenagens aos Snrs. Maurício, Galliano e os mais sinceros agradecimentos aos exmos. Snrs. Alcântara Machado e Oscar Porto e os mais efusivos parabéns ao clube.

Os sócios presentes saúdam os homenageados com uma salva de palmas.

Fala em seguida o presidente João Baptista Maurício. Diz que se terrível foi a luta para se conseguir o contrato, não menos forte será a luta para fazer o campo. Mostra a planta do campo e o projeto de construção; lê alguns orçamentos de engenheiros e empreiteiros, um de 80 contos, outros de 40, 30 e 22 contos. Não possuindo o Corinthians dinheiro para levar a efeito tal construção, o presidente Maurício diz que há tempos procurou os gerentes das fábricas de cerveja Germânia e Antarctica, com os quais conversou a respeito. Uma ou outra fabrica emprestaria ao clube a quantia de 20 contos, pagáveis a prestações nunca inferiores a um conto de réis mensais, e como prêmio o clube deteria o privilégio de instalar gratuitamente botequins nos recintos sociais e vender, durante 5 anos, os artigos de sua fabricação.

O antigo gerente da Antarctica havia aceito a proposta, porém infelizmente faleceu há poucos dias. De maneira que será muito difícil conseguir o negócio com o novo diretor. A Germânia, com uma carta que é lida, escusa-se, devido à guerra, não podendo realizar por enquanto o negócio. Diz que procurou todos os meios possíveis para dar cumprimento à idéia, porém até agora inutilmente; pede aos demais associados externarem toda e qualquer idéia para se conseguirem os meios para a construção. Fala o Snr. Fonseca, mostrando-se admirado, diz que sempre teve a certeza de que o Snr. Maurício dispunha dos meios necessários, visto ser lógico que o clube nunca possuiu quantias tão fabulosas. Se o Snr. Maurício não construir o campo, o clube fará um pepel ridículo, visto estar espalhado aos quatro ventos que a Liga Paulista para o ano venturo jogará no nosso campo.

Maurício replica dizendo que não tem culpa se os planos traçados não surtiram efeito, sozinho não podendo dispor de tal quantia, estando porém pronto a fazer tudo quanto estiver a seu alcance.

Fonseca não se conforma com isso e censura acerbamente terem assinado em nome do clube um contrato que não se pode como também nunca se poderá cumprir; mesmo que se arranje dinheiro com prazo de 5 anos, o clube não poderá pagar mensalmente um conto de réis e se campo for feito com dinheiro emprestado será mais cedo ou mais tarde a morte do clube“.

Como uma janela no tempo, ler estas linhas nos remete ao passado, mas também ao presente. Pouco mudou, este nosso Coringão, quando se trata de discussão de seus torcedores. Mas o importante aqui é observar que aquela corrente que achava que o Corinthians não deveria alçar vôos tão altos era combatida e vencida. Pois a ata segue;

“Fonseca propõe que o Corinthians desista do contrato, cedendo-o à Liga ou a um outro clube qualquer. O Snr. Fonseca encontra alguns partidários, porém a maioria não se conforma com a sua proposta. Cavalcante, usando da palavra, diz que não se admira ver o Snr. Fonseca falar assim, visto ser demais conhecido o pessimismo do nobre vice-presidente: em tudo encontra dificuldades impossíveis de se vencerem. Mesmo que esse campo seja mais cedo ou mais tarde a morte do Corinthians, não é preferível que essa morte seja daqui 5 anos, depois de se ter construído o campo, e depois de se terem procurado todos os meios para pagar a dívida?

O associado Cavalcante manifesta-se contrário à teoria do Snr. Fonseca, de ceder o campo a outrem; esse campo será a glória e a futura força e prosperidade do Corinthians.

A discussão torna-se daí por diante violentíssima. Todos falam ao mesmo tempo e inutilmente o Presidente chama a Assembléia à ordem. Ameaçando levantar a Assembléia, consegue por fim acalmar os ânimos. Diz que assim é impossível chegar-se a um acordo. Julga que a melhor maneira de se resolver tão intrincado problema é nomear uma comissão que, com plenos poderes, deverá examinar bem a questão, resolver e pôr em prática se o campo deverá ser construído ou não, se deve ser cedido à Liga, etc.

O Snr. Cavalcante formula essa idéia em forma de proposta, a qual é aprovada por totalidade dos votos, assim como a Assembléia autoriza o Snr. Maurício a escolher 2 associados para com ele formar a comissão. O Snr. Maurício convida os Snrs. Fonseca e Pereira, os quais se recusam terminantemente; convida então os Snrs. Galliano e Cavalcante, que aceitam. O Snr. Maurício propõe ainda que todos os sócios atrasados se poderão pôr em dia descontando a dívida em serviços no campo. Sendo a proposta aprovada, o Snr. Maurício declara encerrada a discussão sobre esse assunto“.


Assim terminou o assunto naquela Assembléia. João Baptista foi perspicaz, tentou trazer o pessimista para que decidisse o futuro do Corinthians em uma comissão plena. Antonio Pereira, Fundador, era contra assumir encargos financeiros tão pesados. E mesmo assim nenhum dos dois deixou de ajudar a construir, com as próprias mãos, a Ponte Grande.

O Corinthians é o Clube construído pelo Povo. Literalmente. Uma multidão formando um mutirão. Em cerca de seis meses de trabalho intenso, o Povo aterrou desníveis, cobriu áreas alagadas com terra, aplainou o solo, levantou paredes e construiu seu sonho.

Os sócios atrasados comporem um mutirão foi idéia fantástica e houve até quem se associasse para ajudar na empreitada.

Em 17 de março de 1917, o Sport Club Corinthians Paulista inaugurava a Ponte Grande. Arquibancadas, o bar, vestiários, banheiros, as árvores, o rio ali pertinho. As arquibancadas, diziam os cronistas da época, eram altas, confortáveis. E para a inauguração estavam todos os diretores da APEA, jornalistas como Ernesto Cassano, do Guerin Moschino, e Vicente Ragogneti, da Fanfulla, e vários associados do Clube. O Correio Paulistano registrou o jogo;

“A inauguração da praça de esportes do Corinthians Paulista foi um sucesso. Cerca de 10 mil pessoas ocuparam as dependências, dando ao local um aspecto encantador (…) O pontapé inicial foi dado pelo Doutor Alcântara Machado (…) O Corinthians, após algumas combinações de sua linha de ataque, conseguiu, aos dez minutos de jogo, marcar o primeiro, conquistado por Neco”.

Ou seja, Manuel Nunes foi o primeiro Corinthiano, e na verdade o primeiro jogador, a marcar um gol na Ponte Grande. O jogo era contra o Palestra Italia, e o intervalo chegou com um placar de 3 a 1 para o Timão. Festa na casa construída por mãos e corações Corinthianos.

No segundo tempo choveu. Mas os cronistas seguem relatando; “O último gol nos pareceu off side”…

E o jogo que inaugurou a Ponte Grande encerrou sob as águas de março, empatado em 3 a 3.



E a História Continua…


¹ “Coração Corinthiano”, Lourenço Diaféria, Fundação Nestlé, 1992; Capítulo XXXIV, “O primeiro campo oficial: 1917″, páginas 178 a 181. Sobre a Ata, é importante dizer que em sua própria transcrição, Diaféria já adaptou a escrita, e aqui transcrevemos.

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