terça-feira, 2 de março de 2010

Per Aspera Ad Astra: A história do mais querido do mundo (Capítulo XV)

"Per Aspera Ad Astra"

Por Filipe Martins Gonçalves

Enseada Corinthiana, meados da década de 1930
"O rio Tietê formava uma belíssima enseada bem à entrada da Casa Corinthiana, dando-lhe um aspecto maravilhoso"¹, dizia Antonio de Almeida, o Seu Toninho, relembrando os saudosos tempos do Clube que, embora apenas incipiente, já havia surgido Gigante, para o Povo.
Note que a entrada da Casa Corinthiana era o próprio rio, que ainda serpenteava esse planalto, formando ilhas e enseadas.
Quando o Corinthians adquiriu a gleba do Parque São Jorge, aquela região toda era formada por chácaras, uma região bucólica e rural neste município que ainda não era esta cidade-monstro de hoje.

O rio borbulhava de saúde, assim como os peixes que ainda o habitavam. De forma que uma das primeiras coisas que os Corinthianos trataram de fazer foi uma bela pescaria. E remaram.
Ao aspecto maravilhoso da Fazendinha se somava o que não existe, talvez, em nenhum outro Clube no mundo: a Biquinha.

A Fazendinha - e assim os Corinthianos da época trataram de apelidar sua Sede Grandiosa, sendo copiados até por quem proferia o termo pejorativamente - já àquela época era uma chácara completa.
Quando o Corinthians adquire o Parque São Jorge, já adquire um patrimônio bem constituído.

Os senhores Abdalla e Salem começaram as benfeitorias naquele terreno antes mesmo de 1920.
É fato que, por muitas vezes, alugaram o campo ao E.C.Sírio para que pudesse treinar, muito provavelmente por conta das origens e até mesmo afeição que pudessem nutrir pelo Sírio, mas o Parque São Jorge nunca pertenceu a este clube.
O fato que importa, mesmo, é que o Clube dos Mil Povos acabava de se tornar o Clube de mais um.

A área original do Parque é toda a área onde hoje estão a Torre, as quadrinhas, o Ginasinho, o estacionamento, o Estádio Alfredo Schürig e aquela área mais antiga, da Biquinha e do Tamboréu, onde eram feitos os pic-nics.
Ou seja, compreendia toda a área à esquerda da rua São Jorge. Rua que terminava no próprio rio, provavelmente onde hoje se ergue a Capela de São Jorge.

Ali já existia o campo com dois lances de arquibancadas centrais e vestiários, a caixa d´água (que é a própria Torre; não poderia haver uma chácara sem caixa d´água, não é mesmo?), um salão de baile (onde hoje está o Ginasinho), um bar, uma bica de água mineral limpa e o rio, que se debruçava na enseada. Como dizíamos, o Corinthians adquiria um patrimônio já constituído.

Se considerarmos que há pouco mais de dez anos o Clube quase fechara as portas em uma gravíssima crise financeira, quando os adversários também fizeram muito para que isso se desse, é gigantesco o passo de se adquirir um patrimônio como a Fazendinha.

Ernesto Cassano e sua diretoria se imbuíram de Corinthianismo quando assinaram o compromisso de pagar 70 contos de réis por ano durante 12 anos, e só podiam demonstrar como garantia aos nobres sócios proprietários aquilo que sempre foi muito mais que seu patrimônio original.
Quer dizer, o Corinthians só poderia garantir o pagamento se essa garantia fosse a sua Torcida.
Não é em vão que se diz que o Corinthians é uma Torcida que tem um Timão.
Se em 1937 o Corinthians não estivesse quites com essa confissão de dívida, todo o trabalho dos Corinthians teria sido em vão.

E os Corinthianos jamais abandonaram o barco, como contamos até aqui.
Mas até agosto de 1926, nem mesmo o mais otimista do Corinthiano à época poderia imaginar que fosse possível que o Clube dos operários conseguisse tão grande e bela Sede.

Mas o Clube nascido sob o brilho fulgurante do Cometa, em uma noite fria de maio de 1910, que teve por sede apenas o céu estrelado na esquina onde havia um lampião a iluminar toda a rua, e que foi chamado de Corinthians pelo seu Povo, democraticamente, em uma Assembléia; o Clube que nasceu amparado pelo seu Povo, que nunca o desamparou, que sempre o carregou no coração e nos braços, com toda garra e raça que forjou o Corinthianismo; que era paupérrimo e já nascera Gigante; o Clube que desafiou a lógica de uma sociedade, que desconsiderava o fato de que ser humilde não o fazia menor que nada, enfim; o Clube do Povo adquiriu a sua Sede Gigantesca.
E tratou de tornar ainda mais Gigantesca, ao longo do tempo.

No caminho para a Penha, subindo o rio, os Corinthianos se lançaram à água. "Ali, os Corinthianos praticavam natação, e os que não sabiam nadar se divertiam nos dois cochos. Tudo era encantador naquele lugar pitoresco. Grandes eucaliptos circundavam toda a praça de esportes, margeando o Tietê. Essa paisagem foi-se alterando com as posteriores retificações do Tietê que, se de um lado aumentaram a área do Corinthians e lhe deram vias de acesso mais rápidas, também apagaram o cenário de fundo onde os heróicos Corinthianos fincaram as bases da Cidade Corinthians"¹.

Os ecos dessas bases, construídas com o suor desses Corinthianos pioneiros, permanecem. Se o cenário não é o mesmo por conta de um crime ambiental em nome do progresso, ali em sua Casa o Corinthiano pôde construir sonho; a Fazendinha se tornou uma Cidade e se espalhou, atravessou a rua e se estendeu para além da margem direita da Rua São Jorge, e hoje chega até onde o Aricanduva desagua no Tietê.
O Corinthians nunca parou de construir seu patrimônio.

Mas aqui ainda estamos com os pioneiros, chegando ao Parque pelo rio.
Um pier se debruçava por alguns metros na água, da ribanceira do rio, e por ele chegaríamos em frente da Biquinha. É fácil entender, assim, o porque de se colocar a estátua do Santo Padroeiro logo acima da Biquinha.
O caminho da margem até o barranco onde brota a Biquinha era um plano, o lugar mais bucólico e antigo do Parque, um belo jardim arborizado, em cujas sombras se fez muita Festa, pic-nics e saraus.
Um altar foi feito para essa estátua, em cujos pés teria a Biquinha, e foram construídas duas escadas de acesso para os fiéis devotos transporem o barranco.
Mais ao lado, à direita, construíram também uma casa para o caseiro.
Tudo isso sobrevive ali, com exceção, obviamente, do pier, dos cochos e da margem com os eucaliptos. Naquela área livre, antes das cercas brancas do campo de Futebol, ergue-se as arquibancadas, e os quiosques, naturalmente, precisaram ser reformados.
Mas se o cenário do rio mudou muito com as marginais, ali mudou menos que em qualquer outro lugar.
Hoje ainda é possível ter essa visão de São Jorge, mas só quem sabe olha. E tem que passar devagar.

Ou então poderíamos chegar de bonde pelo tortuoso caminho do Tatuapé, que hoje se chama Celso Garcia. Embora mais retilíneo, este caminho não consegue esconder sua característica de caminho de fazenda.
Desceríamos perto da esquina com a rua São Jorge, e avistaríamos ao longe, à direita, a velha torre da igreja da Penha. Algumas casas se erguiam, e ainda haviam muitos terrenos entre elas. Era possível, do ponto alto da rua, ver algumas das curvas do rio.
Viraríamos à esquerda no caminho que levava ao Parque do Piqueri e entraríamos no Clube por onde hoje é a entrada do estacionamento.
Teríamos a visão do campo, ladeado pelo barranco que abriga o Santo Padroeiro, à nossa esquerda.
Veríamos dois pequenos lances de arquibancadas de madeira, o salão à frente, a caixa d´água e, em frente à ela, o bar. E muitas árvores, antes dos eucaliptos citados pelo Toninho.

Se o esforço para a construção da Ponte Grande serviu para ensinar os Corinthianos que tudo é possível, o que foi feito em dois anos - do dia 18 de agosto de 1926, quando foi assinado o compromisso, até o dia 22 de julho de 1928, quando foi oficialmente inaugurado o estádio que leva até hoje o nome de um dos grandes Anjos da Guarda do Sport Club Corinthians Paulista - é realmente levar esse ensinamento às últimas consequências.
A compra da Fazendinha foi uma "decisão corajosa e fruto da confiança profunda no apoio popular"², como sentencia Diaféria, pois de nada adiantaria apenas os Anjos da Guarda. Ou ainda, não adiantaria termos Anjo da Guarda se não houvessem os braços do Povo para sustentar a empreitada.

E o Corinthians se preparava para estreiar o Estádio Alfredo Schürig com um novo Tri-Campeonato.
Agora e para sempre³, com a Graça do Santo Guerreiro!

A História continua...

*******

NOTAS

¹ Frase de Antonio de Almeida, resgatada por Lourenço Diaféria em sua obra Coração Corinthiano, capítulo XXXIX, "Bravos heróis da Ponte Grande e da Fazendinha", à página 207.

² Na mesma página acima referida.

³ O nome do Parque São Jorge foi herança deixada pelos dois antigos proprietários da Fazendinha.
O que se pode imaginar é que tinham São Jorge em altíssima conta, pelo menos, e por isso homenagearam o local com tal Benção.

Fato é que São Jorge é o Santo Padroeiro de
Beirute, onde está o lendário Golfo de São Jorge. A importância desta localidade para a História da Síria e do Líbano é imensa. E Beirute, desde a antigüidade, é uma cidade cosmopolita.
Foi esta aspiração que os antigos proprietários deixaram de herança e contribuição na História deste Clube que é mais que Nação.
A
Lendária Enseada Corinthiana passou a ser o Golfo de São Jorge, naquele rio Tietê original.
E foi ali que o Gigante fez sua Casa.

Importante frisar que
Santa Rita de Cássia esteve presente à reunião que definiu o nome do Clube, e fez do Clube uma realidade. A Santa das causas impossíveis foi quem primeiro olhou pelo Clube do Povo, e continua olhando. Depois que nada mais se mostrou impossível, o Padroeiro foi escalado na batalha.

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