segunda-feira, 16 de agosto de 2010

Per Aspera Ad Astra: A história do mais querido do mundo (Parte XXIX)

O Time do Povo
Por Filipe Martins Gonçalves

No capítulo anterior falamos tanto sobre quase tudo o que o Corinthians conquistou na época do "jejum", que não lembramos de mencionar como acaba a Década Dourada de 1950, na política interna do Clube.
Em 1959, Vicente Matheus, em uma chapa com Wadih Helu de vice, vence Trindade nas eleições. Novas eleições, em 61, e Wadih Helu forma chapa própria, se tornando Presidente do Clube do Povo.
Em 1962 o último lote do Parque São Jorge, de 73 mil m², é adquirido. E o Corinthians chega, territorialmente, até a foz do (ainda) saudável rio Aricanduva. A Cidade Corinthians cresce. E neste local recém-adquirido se faz o campo de Futebol de Base, para as peneiras. O popularíssimo Terrão.

As categorias de base do Corinthians sempre deram muitas alegrias à Fiel Torcida.
No começo dos anos 60 estava demais, e a Fiel lotava o Pacaembu nas preliminares.
Em 1965 subia ao Timão principal o garoto Roberto Rivelino, bi-Campeão Paulista de juniores. No ano seguinte, ao lado de Garrincha, e por falta de datas para as disputas, o Corinthians é um dos quatro "campeões" do Rio-S.Paulo de 66.
No Futebol profissional, havia pouco mais de uma década, o Corinthians vivia a travessia de um longo e penoso deserto.
Em 67, o zagueiro tri-Campeão Paulista de juniores, Luis Carlos Galter, sobe ao Timão principal.

Em 1968 o Coringão coloca fim a uma brincadeira de mau gosto.
Sim, porque trocando em miúdos, o pseudo tabu diante do Santos passa do enganoso "onze anos sem vencer o Santos" para o "onze anos sem vencer o time de Pelé quando ele estivesse em campo, em partidas válidas apenas pelo Campeonato Paulista", sem nenhum esforço.
Uma brincadeira de mau gosto, pois nos obriga a fazer uma notação que não corresponde à grandeza do Rei do Futebol, o atleta perfeito, e sim à diminuição do clube que o Rei defendeu - pobre Rei. Mas isso não vem ao caso.

Pois Luis Carlos parou Pelé em campo. E Paulo Borges, o Risadinha, chutou do meio da rua pra Fiel fazer a Festa. E Flávio sacramentou a Vitória por 2 a 0, naquela memorável noite de 6 de março de 68.
E assim uma das maiores verdades na história deste confronto ficou bastante clara, sem que fosse preciso explicitar mais nada.
Quatro dias depois, uma virada por 2 a 1, sobre o Palmeiras, que vencia até os cinco minutos finais, completa a semana que fez valer o ano.

Na madrugada de 29 de abril de 1969 falecem Lidu e Eduardo, jovens promessas, num acidente na marginal Tietê, então em obras. O fato abalou a cidade, mas não comoveu a diretoria do rival supracitado, que votou contra o adiamento da partida, o que não é tão grave, mas votou ainda contra a possibilidade de se repor o número de jogadores no plantel.
O jogo seguinte seria justamente um Derby. E por esta histórica demonstração, o rival ganhou o apelido de porco, nas Arquibancadas Corinthianas. Apelido este que assumiriam em um futuro próximo, como forma de evitar maiores constragimentos.

Em 1970 chega ao Parque São Jorge José Maria Rodrigues Alves, o Super-Zé. Importante frisar, pois sete anos após sua chegada inicia-se a jogada mais famosa do mundo, uma falta batida por ele na ponta direita.
Zé Maria foi dos Guerreiros com maior regularidade, nos treze anos que passou vestindo sua segunda pele, o Manto Alvinegro da Raça. Um Herói Corinthianíssimo.

E no mês de fevereiro de 71, o Coringão venceu o Torneio do Povo, que serviu como apêndice para a propaganda governamental, no esforço do então presidente Médici de atrelar a própria imagem com a imagem da Seleção de 70. Nesse Torneio jogaram os quatro times mais populares dos quatro principais estados; Corinthians, Atlético Mineiro, Flamengo e Internacional, este último vencido por 1 a 0, sacramentando o título, no Estádio do Mineirão.
E Wadih Helu pôde se despedir, abraçado com o Presidente da República, e com outro título no Futebol Profissional na bagagem, durante a década que administrou o Corinthians.

Dois meses depois, época na qual os recém-apelidados "porcos" jogavam com sua 'segunda academia' e tal, o Corinthians iria servir de "sparring", no estádio lotado. A Fiel nunca abandonou o Corinthians, que atravessava o deserto e simbolizava mais do que nunca a luta diária do Povo.
As bandeiras tremulavam desde a hora do almoço na Arquibancada. Naquela tarde chuvosa, antes do primeiro minuto se completar, o placar já havia sido inaugurado. E aos 10, já estava 0 a 2. E os rivais esperavam apoteoticamente, com as panças debruçadas, pelo segundo tempo. Mirandinha marcou logo aos 5 minutos, Adãozinho estreiava no Corinthians empatando o jogo a esta altura. E o rival faz o gol na saída de bola. Mas o Coringão também empata, na saída de bola seguinte, com Tião. Eram corridos 26 minutos do segundo tempo, quando o rival entendeu que ali estava o verdadeiro osso duro de roer.
A Virada veio aos 43 minutos, com Mirandinha. E a cerveja no estádio só não acabou porque soou o apito final e a Festa foi para as ruas.

Falávamos de Wadih Helu. Em sua década no comando do Clube do Povo, a Cidade Corinthians sem dúvida cresceu. Mas seu modo de administrar gerou uma escola de procedimentos, repetidos por Dualib, mais de vinte anos depois. Chegaremos lá.
E então, articulados com boa parte dos associados e da torcida de modo geral, a oposição conseguiu entupir o Parque São Jorge de gente, impossibilitando os partidários de Wadih Helu de votar, tamanha a lotação.
E para completar, encheram a fachada do Corinthians de faixas pró-Wadih Helu. O pessoal da situação então achou mesmo que Wadih Helu iria ganhar, nem se deu ao trabalho de ir conferir. Foi todo mundo pra casa, e o cargo mais importante do país, depois da Presidência da República, mudou de mãos.
Miguel Martinez assume, apoiado por Matheus, naquele ano de 1971. E cai no ano seguinte, por conta de "grave crise financeira". Sempre ela.
Vicente Matheus assume, então, em 1972.
Vaguinho e Wladimir chegam ao Corinthians, e neste ano o Corinthians chega à semifinal do Campeonato Brasileiro.
Mas é apenas em 1974 que o Corinthians chega a uma Final. No Campeonato Paulista, como campeão do primeiro turno, após vencer o São Paulo. O segundo turno foi ganho pelo Palmeiras, e na final, após aquele lance de falta não marcado em Rivelino, na cara do apito, que originou o espaço que possibilitou o gol facilitado, o próprio Rivelino foi tido como bode expiatório.

E por conta deste episódio, talvez, a Fiel Torcida tenha passado a se dedicar muito mais à faceta da Raça, do Suor e do Sangue, o "lutar sempre, desistir jamais", que compõem todo seu imaginário, sua identidade; a própria identidade Corinthiana.
Rivelino era um craque, mas o que a Fiel queria era onze operários guerreiros persistentes, como persistentes eram os Corinthianos que atravessavam uma tormenta de duas décadas.
A Fiel abdicava, na época, de qualquer futebol "bonito". Ao lado de Neco, Amílcar, Pequeno Polegar, Gerente, o Reizinho do Parque figura como um dos grandes jogadores que envergaram o Manto Sagrado. Mas isso não importava. A Fiel queria era incendiar o mundo, enlouquecer na Arquibancada.
Pegue algum retrato desta época, de preferência aqueles tirados do campo, com os jogadores em primeiro plano. Note que a Torcida do Corinthians, como nunca, é o personagem principal.
O Corinthianismo estava explodindo.

De forma que, em 1976, na reta decisiva do Campeonato Brasileiro, a Fiel se preparava para a maior demonstração de Paixão e loucura que a humanidade pôde presenciar. A Invasão Corinthiana ao Rio de Janeiro é um episódio para se compreender. O presidente do Fluminense provocou a Fiel porque havia tido uma invasão a Recife, e respondendo a alguma pergunta, disse, mais ou menos, que disponibilizaria metade dos ingressos para os Corinthianos invadirem, mas que isso jamais aconteceria. Mas aconteceu. O número pode ter chegado a mais de oitenta mil. A Dutra se transformou em Avenida Fiel Torcida. O Rio foi Corinthianizado.
Ninguém além do próprio Nelson Rodrigues poderia transformar o acontecido em um Mito. E ele fez isso.
Segue os trechos da "Invasão Corinthiana", de Nelson Rodrigues, no jornal do dia 6/12/76, seguinte ao domingo da Invasão:

"Uma coisa é certa: — não se improvisa uma vitória. Vocês entendem? Uma vitória tem que ser o lento trabalho das gerações. Até que, lá um dia, acontece a grande vitória. Ainda digo mais: — já estava escrito há seis mil anos, que em um certo domingo, de 1976, teríamos um empate. Sim, quarenta dias antes do Paraíso estava decidida a batalha entre o Fluminense e o Corinthians.

Ninguém sabia, ninguém desconfiava. O jogo começou na véspera, quando a Fiel explodiu na cidade. Durante toda a madrugada, os fanáticos do timão faziam uma festa no Leme, em Copacabana, Leblon, Ipanema. E as bandeiras do Corinthians ventavam em procela. Ali, chegavam os corinthianos, aos borbotões. Ônibus, aviação, carros particulares, táxis, a pé, a bicicleta.

A coisa era terrível. Nunca uma torcida invadiu outro estado, com tamanha euforia. Um turista que, por aqui passasse, havia de anotar no seu caderninho: — "O Rio é uma cidade ocupada". Os corinthianos passavam a toda hora e em toda parte.

Dizem os idiotas da objetividade que torcida não ganha jogo. Pois ganha. Na véspera da partida, a Fiel estava fazendo força em favor do seu time. Durmo tarde e tive ocasião de testemunhar a vigília da Fiel. Um amigo me perguntou: — "E se o Corinthians perder?” O Fluminense era mais time. Portanto, estavam certos, e maravilhosamente certos os corinthianos, quando faziam um prévio carnaval. Esse carnaval não parou. De manhã, acordei num clima paulista. Nas ruas, as pessoas não entendiam e até se assustavam. Expliquei tudo a uma senhora, gorda e patusca. Expliquei-lhe que o Tricolor era no final do Brasileiro, o único carioca.

Não cabe aqui falar em técnico. O que influi e decidiu o jogo foi a torcida. A torcida empurrou o time para o empate.

A torcida não parou de incitar. Vocês percebem? Houve um momento em que me senti estrangeiro na doce terra carioca. Os corinthianos estavam tão certos de que ganhariam que apelaram para o já ganhou. Veio de São Paulo, a pé, um corinthiano. Eu imaginava que a antecipação do carnaval ia potencializar o Corinthians".

E por aí vai. Encerra dizendo:
"O bom guerreiro conhece tudo, menos a capitulação. Aprende-se com uma vitória, um empate, uma derrota. Só a ociosidade não ensina coisa nenhuma".

O Mito Corinthiano, o Clube do Povo que não pára de lutar, estava em sua expressão mais que completa, pelo anseio que o jejum provocava.
A Fiel Torcida, que exige ser escalada e se escala, empurra o Timão, desvia a bola pro fundo da rede, redesenhava a Utopia dos Fundadores operários que revolucionaram o Futebol. Assim, em uma época de ditadura, a Fiel foi exemplo de forma de desbloqueio das forças conservadoras, como é praxe nessa História que completará um século.
Quando o Povo não tem voz, o Corinthians lhe dá voz, passando a ser manifestação coletiva de liberdade e emancipação.

A História Continua...

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